Ensaios técnicos animam o público nas escolas de samba do Rio

O sentimento do público nos ensaios técnicos das escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro está diretamente relacionado ao seu envolvimento em cada grupo que se apresenta no Sambódromo em preparação para os desfiles oficiais do Carnaval. Este ano, a primeira a provar isso foi a Unidos do Porto da Pedra, que foi responsável por abrir os ensaios técnicos de 2024 no domingo (7) e levou seu público fiel às arquibancadas.

Campeã em 2023 do grupo Série Ouro, a escola de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, conquistou o direito de voltar ao palco da Sapucaí nos desfiles de elite do carnaval carioca.

Para o carnavalesco Mauro Quintaes, responsável pela trama O Lunário Perpétuo: A Profética do Saber Popular, nas cores vermelho e branco para 2024, a preparação do Porto da Pedra deste ano agradou e mostrou o envolvimento da comunidade são-gonçalona.

“O desfile do Porto da Pedra foi muito gratificante porque trouxe a visão de que realmente escolhemos o samba certo. Trouxe a visão de que a comunidade de São Gonçalo realmente tem o samba na ponta da língua e canta com muita paixão. O resultado foi muito positivo nos aspectos técnicos e no ensaio, satisfatório não só para mim, como artista e carnavalesco, mas também para toda a gestão escolar”, disse Quintaes à Agência Brasil.

Segundo o carnavalesco, o ensaio técnico representa treinamento, coordenação, correção de erros, surpresas e serve para que a direção e os componentes da escola tenham uma pequena ideia do que será feito na avenida, principalmente em termos de timing, e o apresentações da comissão de frente e dupla sala mestre e porta-bandeira, além da bateria.

Quintaes disse ser fã do ensaio técnico, que considera muito necessário. Para ele, seria melhor que houvesse mais testes técnicos durante o ano. “O ideal seria mais de um, mas, se não fosse possível, esse nosso ensaio único foi maravilhoso. Porto da Pedra é extremamente preparado. Peço que assistam e curtam o desfile do Porto da Pedra com o enredo O Lunário Perpétuo: A Profética do Saber Popular”, recomendou entusiasmado.

Em 1992, Selminha Sorriso formou a dupla de mestre de sala e porta-bandeira Estácio de Sá com Claudinho. E foram campeões desde a estreia. Em 1996 mudou-se para a Beija-Flor, onde está até hoje e com nove campeonatos azuis e brancos de Nilópolis. Embora veja um aumento na rigidez na estrutura dos ensaios técnicos ao longo dos anos, Selminha afirmou que o envolvimento público permanece.

“É um povo que interage mais. São pessoas que, em sua maioria, não têm oportunidade de ir ao desfile oficial e que aguardam os ensaios para ter alguma diversão, alguma alegria, algum tempo para passear. É grátis e é seguro, é amor. Quem gosta muito de samba gosta muito de ir ao ensaio técnico. As comunidades saem com força. Os do morro descem o morro, os da Baixada vão para o centro [onde fica o Sambódromo]. É uma coisa muito mágica”, disse à Agência Brasil.

Foi o envolvimento do público que deu força à experiente porta-bandeira no momento difícil que passou em 2015. “Já tive a situação do ensaio técnico mudando a minha história. O público gritou e aplaudiu Selminha num momento em que eu precisava muito de carinho. Acho que a dança foi contagiante e eles falaram: ‘essa é a Selminha’, gritaram meu nome. É maravilhoso, sempre me emociono. Foi muito importante. Esse momento fez muita diferença na minha carreira”, lembrou Selminha. “O ensaio técnico é um momento de convívio para pessoas simples das comunidades que vão até lá homenagear seus ídolos.”

Bateria

A rígida organização dos ensaios contrasta com a descontração do público despertada pela bateria das escolas. A entrada de ritmistas na avenida sempre causa agitação nas arquibancadas. A interação entre o público e os ritmistas é evidente. “A sensação é de que você pode contribuir para a alegria do povo. Isso é muito legal. Gosto muito, porque é samba de verdade. Esse público que está lá não vai ao desfile oficial e se emociona com a gente”, destacou Mestre Ciça, diretor de bateria da Viradouro, em entrevista à Agência Brasil.

Para o jornalista Fábio Fabato, historiador e autor da sinopse da trama Pede Caju que Dou… Pé de Caju que Dá!, da Mocidade Independente de Padre Miguel em 2024, o envolvimento ocorre porque há a presença do público de fato das escolas de samba, que mora nas casas o ano todo e não tem dinheiro para pagar ingressos para os desfiles oficiais.

“É um show muito mais quente e voltado para as escolas de samba o ano todo. O público que vai ao Sambódromo, que tem dinheiro para pagar, não é o público das escolas de samba. Portanto, temos uma certa diferença de comportamento durante o ensaio técnico e o desfile oficial. O público do ensaio técnico canta o samba sabendo a letra, fica muito mais envolvido, porque é uma questão apaixonante mesmo. Ele está lá porque adora escola de samba. É uma sensação completamente diferente, é única e mágica porque consegue uma aclamação popular natural”, disse Fabato em entrevista ao repórter.

Segundo Fabato, o público canta mesmo sem aparelhagem. “O público levou o samba da Mocidade para Gogó, ou seja, foi o público dela e apaixonado por ela, que consome suas informações o ano todo”, finalizou.

No mesmo dia do ensaio técnico do Porto da Pedra, a Mocidade enfrentou falhas no carro de som utilizado pela organização. Após reclamação da escola, em reunião plenária, a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) determinou que haveria outra data para a escola realizar seu ensaio técnico. A apresentação será neste domingo (21), às 18h30, antecedendo os ensaios do Paraíso do Tuiuti, às 20h30; e Salgueiro, às 22h. Pelo menos é o que se espera, caso os ensaios não sejam suspensos devido à chuva, que já aconteceu no fim de semana anterior.

Mudanças

No tempo que teve na avenida, Selminha pôde perceber as mudanças ocorridas nos testes técnicos. “Poderíamos ir e voltar, parar para corrigir, conversar. Hoje nao. A cobrança é maior até para a rede social. Com o telefone em mãos, todo mundo é juiz e jornalista e quer compartilhar sua opinião. Houve um tempo em que você podia fazer correções e testar o que vinha ensaiando o ano todo e, no dia, fazer o melhor que podia. Agora os ensaios têm uma certa demanda e parece que viraram uma disputa, e na verdade foi preciso se preparar um pouco mais”, enfatizou.

Experiente no carnaval, Mestre Ciça destacou ainda o espírito de competição que existe atualmente no formato de ensaios técnicos. “Hoje o ensaio técnico de carnaval virou uma competição – essa é a minha opinião. Hoje não dá para errar nem na prova técnica porque as pessoas brigam entre si pela internet e pelas redes sociais. Na verdade, estamos fazendo um desfile que só carece de alegoria e fantasia. A procura é muito grande e as pessoas chamam de teste técnico”, disse o premiado mestre, que também já comandou baterias na Estácio de Sá, Unidos da Tijuca, Grande Rio, União da Ilha.

Para o presidente da Liesa, Jorge Perlingeiro, as transformações ocorridas representam um avanço nos testes técnicos. “Até uns seis, sete anos atrás, os participantes das provas técnicas andavam até descalços, usando shorts de cada cor. Hoje o ensaio técnico vem com figurinos e camisetas alusivas à trama. No lugar das alegorias, colocaram grandes caminhões com painéis de LED falando da trama, enfim, com todo um aparato. O ensaio técnico de hoje é um espetáculo lindo”, disse Perlingeiro em entrevista à Agência Brasil.

Ele acrescentou que estuda uma forma de patrocínio para cobrir parte dos custos de transferência de componentes escolares para o Sambódromo e para cobrir os custos dos carros de som utilizados nos ensaios técnicos. “Já existe um projeto para construirmos o nosso carro de som”, revelou Perlingeiro, lembrando que o serviço é atualmente prestado por uma das três melhores empresas de som do mundo, a um custo muito elevado. Porém, ele não revelou o valor.